segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Madrugada

O vento sopra estranho... parece que o inverno se desgarra, e sobra a nós - o vento. Um restante do instante enquanto o sopro não é saliva, não é beijo, não é sexo. Estranho chamá-los de correntes, mesmo de ar, me soa muito mais asas, e me chama de alguma forma para escrever o próprio chorar, mesmo que eu não mais consiga. Sabe, poucas pessoas conhecem as asas da madrugada. Talvez por isso poderia amaldiçoar toda humanidade perdida em sonhos nestes momentos... e ninguém me ouviria. As pessoas gostam de deitar confortavelmente em suas camas, não é mesmo? Os homens (na masculinidade de seu conceito) adoram se perder na droga lícita, que não é bebida, que não é cigarro, nem mesmo o crack, se perdem nos sonhos madrugais; e acordam assustados pelas manhas nascentes, ou as vezes felizes, ou molhados, dizendo como foi interessante andar nu pelas escolas, cair de despinhadeiros, querer correr e gritar e não conseguir, e tudo isso no metrô a caminho do trabalho. Como não gostar de algo que finalmente é seu? Trabalha o dia inteiro, a mulher cansada e soada e suja e maltratada da fábrica, a empregada baixa e falante e mãe e amante, e vê ali, em sua cama um lar, mesmo que tenha o cheiro da bebida, o choro da criança, a preocupação quase que constante. Ela dorme... e seu sonho não é tão distante como a roda que no dia produz, e também não tão distante do que a casa imprópria limpa e ensaboada. O sonho é dela, e apesar de propriedade tão íntima, particular, individual, ela mesmo assim conta, deixa ao público seus traumas em versão de pinturas surrealistas e compartilha seus medos, mesmo que inconscientes, e suas vontades, mesmo que conscientes. E eu gosto de vinho, de noite, de mulheres distantes, mas não de sonhos. Evito dormir para não poder sonhar, e dormindo sou incapaz - amaria quem? Agradeço poder sentir os ares, os ases, o tinto e o seco, a palavra e a criatividade, a escravidão vestida de intelectualidade. E me intristeço àqueles que sobram a cachaça e o "dormir" de cansaço, o calmante e as preocupações sem salários, pois nada sabem sobre o frio instantâneo de que é recheado a proximidade da alvorada, a fina sensação de um péssimo descansar quando a sociedade lhe acorda à tarde, com o barulho das ruas, das avenidas, dos políticos, pastores, com o barulho da cidade, urbanamente sociável. Antes diziam que o trabalho purifica... pergunte se é isso mesmo ao ladrão e seu emprego de risco, ao ambulante e sua profissão de risco, ao pobre e sua condição de risco. Primeiro devemos nos perguntar se queremos ser puros. Puros como deus? Prefiro a impureza dos homens, a esperança do acordar dos sonhos e o silêncio da madrugada... apenas.

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