quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Aurora

O dia sempre amanhece melhor quando seu início é o seu final. Cansado são seus olhos, pesados, ardendo, mas nada lhe tira a felicidade do ouvir com serenidade e descanso os pios dos pássaros e o canto dos galos. Talvez é este horário que lhe relembre, nas cidades pequenas, um pouco do arcaico. Acho que no final queremos um pouco de arcaismo, de volta, retrocesso. Você anda pelas ruas cobertas de sol e vê as pessoas em suas evoluções, as lojas em seus progressos; e pra traz, quem olha? O historiador? Não. Este pobre sensato na insensatez de suas idéias, quando bons, apologizam o presente, o futuro, tentam procurar e achar a verdade em seus métodos, e nas últimas linhas jogam tudo para cima para ver o que que dá procedendo com a interpretação - o pouco que é genuinamente humano. Ao passado quem retorna é a tradição, a murmurada tradição, que enche o peito de saudosismo, que enche a cabeça com o que é religioso e divino, e canta aos vitoriosos. Não me agrada os vitoriosos, sempre cheios de pompa, sempre cheios de armas, dependurados nos derrotados, que uns chamam de fracos e outros chamam de mártir. O que realmente retorna é o amanhecer. É a mesma claridade que lhe retoma a luz acesa de um quarto e lhe ensina que na África a mil anos um dia o sol nascera. Quem dera ser Adão! E poder descrever esta cena com uma palavra mais nobre que aurora, que salvação. Assim poderia ter a experiência de em um acaso, em uma noite estendida nos suspiros de Eva observar como o astro máximo se pendura no céu. Muitos mitos, muitas verdades, deram-lhe o nome de deus. Mas não estavam certos? Este grande ponto brilhante é o mínimo de certeza que hoje podemos ter na vida. Você anda por aqui, por ali e esbarra em milhões de mortos, em bilhões de balas, em trilhões de almas, que se tornaram penadas na infinitude do acaso, pela fortuita Fortuna. Se ama verdadeiramente alguém, pense nela na aurora, pois nada é válido se não é feito neste instante. O que o mundo moderno nos deve é a falta de liturgia, a falta de batismo, a falta de deuses mais permanentes que a mercadoria. E bem por isso sempre deve-se ver o eterno nascer com a manhã, e a vida nascer com os galos, e os sonhos nascerem com o cansaço... cansaço de esperar um momento em seu assento desconfortável. Mas o que queres sem sacrifício? Um pouco de sangue ao Sol, e tudo de todas veias ao amor, e a espera dele, sem compromisso mas com vontade... a mesma vontade que fez deus girar a Sol e a humanidade girar a Terra.

Nenhum comentário: