terça-feira, 30 de setembro de 2008

O Cigarro II

Continuamos então, pobres mortais, a criar instrumentos para então consumi-los, sem dó nem piedade. E o mundo é engolido para ser digerido em nosso estômago que ocupa nossos sentidos. Nossa visão estomacal, nosso tato estomacal, o olfato estomacal, audição estomacal, são cheio de suco gástrico que corroem tudo que sentimos e sentimos tudo que possa ser transformado em fezes que criam um novo mundo para os rios sujos de todas as populações ribeirinhas. O romântico poeta não consome apenas tinta... consome vinho e cigarro. Estas ferramentas são imortais em sua massiva existência mas existem insignificamente entre seus dedos. Seu tato sente aquilo que supera apenas a busca selvagem atual do prazer, mas também se enriquece na retomada que a modernidade retirou como uma flecha do peito da humanidade: a contemplação. Não há mais sentido, a menos que um dia isto seja transformado em produtivo, em ver sem se observar os traços urbanos de uma cidade antiga que é nova em significar sua antiguidade, e então contemplar a existência deste mundo que desaba frente nossos olhos pequeno-burgueses e que sempre esteve rumo a um abismo descabido ao pobre trabalhador. Então, oras, se produz o câncer o efizema e inabilitado pelo seu futuro pensa em parar. Parar de que? De beber, de fumar? Não... de contemplar o horizonte e pensar nas coletividades. É a pior doença de todas, um simulacro profano em que se mergulha como expectativa sabendo que um homem não é massa o bastante para a gravidade relativa, mas não tanto, daqueles que então ele batalha. Mal consegue segurar seus pensamentos, como então será apoio das toneladas que pesam o tabaco do palheiro, o álcool fermentado do vinho, a memória torturadora da amada. Queria ele então chorar, mas é tão improdutivo que não consegue "ford-izar", "taylor-izar", "toyot-izar" sua tristeza profunda para hieginizar sua face com lágrimas. Se sente então um pouco natural, como os homens da caverna, e mesmo com o barulho dos ônibus interrompendo a linha de seus raciocínios existenciais, consegue controlar o fogo que queima frente seus olhos e consegue transcender nos traços secos do vinho barato. Mas então os instrumentos que eram para ser imortais morrem, na falência de existência que tem uma garrafa até então cheia. E então o que faz? Reifica, coisifica, sua trancesdência e sua contemplação momentânea na fraqueza de seus versos. Desta forma se crucifica em suas palavras e sua vida se torna seu sacrifício, não o sacrifício diário da vivência no exílio tendo sua vida, seu amor, a léguas do horizonte visto - o silício dos românticos -, entretanto, como tudo, se vê apenas a momentaneidade último de Aquiles como uma carta de despedida. Vive escravo de sua obra e sua alma presa a seu fim. Mais um cigarro se acaba, mais uma taça se esvazia. Poderemos um dia fazer a história deles? O dia chegou a seu crepúsculo. Boa noite.

domingo, 28 de setembro de 2008

Poema V

Um poeta dependurado.
Lado de fora -
Varanda.
E mais de fora: um sol que nasce.
Em suas mãos um cigarro,
Entre seus dedos: o mundo.

Um novo dia -
Aurora...
E se mata por dentro -
Sensibilidade.
São os sonhos que esvaem.
O café que acaba -
Na xícara.
O cigarro que finda -
No câncer
Na asma
Na fumaça
Na cinza
Na brasa
Na aurora
No acaso
Na vida.

É a bios cíclica dos pássaros,
Que amanhecem com o dia,
Mas voam em linhas...
Curvas
Retas
Vôos de fugas,
Na fugacidade como labor.

Morreu algumas horas o pensador,
E seus pensamentos -
Com ele.
Na sensível sátira
Da sacra realidade.

Suicidou duramente o músico,
Em um pianíssimo fúnebre,
No staccato ríspido,
No fortissimo bruto.
A brutalidade é algo,
Normal à quem se mata -
Em cada manhã.

Por um pouco de sangue -
Nas teclas.
Por um pouco de encanto -
Na pena.

Pena...
Pena...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Saudade

Que palavrinha hermética, soturna, desgarrada. Me tente traduzi-la! Me tente agarrá-la! Tente tê-la mesmo que por um instante. Ela se desvencilha do pensamento e se reifica nos poemas de rimas pobres, na pobreza das músicas sóbrias, na intenção do intelectual bêbado. E lá está ela, andando por entre os papéis, solitária na existência das línguas, e sombria onipresente que na luz do dia, entre as casas velhas, as igrejas velhas, ela lhe aborda, sem respeito, com autoridade de quem detêm a unicidade de significado, que cada amante dá um jeito, dá uma forma, e a menina chora, coitada, sem ter o que se agarrar, sem ter o que maltratar, na beleza dos pesadelos noturnos, em que é cheio de amores, é cheio de cavalos cavalgando para todos os lados, um pesadelo cheio de sonhos, e acorda então sem nada e não sabe se estava acordada ou simplesmente adormeceu em sua fazenda que tem cheiro de mato e acordou entorpecida em sonhos na cidade abstrata onde é surrealista as manhãs cheias de nuvens de caminhões, de cantos de carros, de vias labirintas na fauna cheia de homens, na flora cheia de cimento, e se sente o nada, se senta na escada, com esta palavra na garganta, querendo gritá-la, e não sabe se grita porque tudo aquilo não pode ser verdade, não pode ser realidade, e procura em cada beco o seu amor que correu exilado em suas obrigações, que em sua última memória partiu em uma nave; ou era em uma carruagem?; ou era em uma caminhonete, ou quem sabe um cavalo?; não se sabe, mais ele se foi e deixou a ela apenas uma frase: "Irei morrer desta palavra!" Tão exato e preciso era este homem. Desde que deixara ele começou a morrer pela expressão que lhe encantava, passava os dias caminhando de um lado ao outro, não mais simplesmente vivia, também sentia algo, e era consciente do sentimento, e também se encantava, e todo o tempo a que da expressão não saciava, simplesmente morria, nada que seja extremamente fúnebre ou gótico, ele simplesmente morria, como sempre fez desde que nasceu. Morria porque o tempo passava. Mas qual era a referência do tempo, qual era sua medida? Não era mais os sóis que se punham, a que alguns chamavam de dia, não era mais à alguma referência no espaço, ou talvez a linearidade da vida, ou a ciclidade da natureza... tudo se media no instante do imaginário reencontro com a menina que tivera deixado na cidade... ou era no campo? Não importa mais o lugar, porque ao pensamento não é necessário chão, muito menos árvores ou prédios - quem diria civilização! Então ele morre pela expressão que disse a ela que morreria, não em sua mentalidade suicida, mas na compreensão que o mundo é pequeno demais para a eternidade do colosso que os poetas apelidaram de amor. E não realmente se parece pequeno quando se observa dois amantes? Quando em sua visão se encontram dois amores, a vida se torna pequena e a morte se parece grande demais... o mundo é mínimo. Não cabe um par de amantes, uma família, um Estado e alguns gatos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Aurora

O dia sempre amanhece melhor quando seu início é o seu final. Cansado são seus olhos, pesados, ardendo, mas nada lhe tira a felicidade do ouvir com serenidade e descanso os pios dos pássaros e o canto dos galos. Talvez é este horário que lhe relembre, nas cidades pequenas, um pouco do arcaico. Acho que no final queremos um pouco de arcaismo, de volta, retrocesso. Você anda pelas ruas cobertas de sol e vê as pessoas em suas evoluções, as lojas em seus progressos; e pra traz, quem olha? O historiador? Não. Este pobre sensato na insensatez de suas idéias, quando bons, apologizam o presente, o futuro, tentam procurar e achar a verdade em seus métodos, e nas últimas linhas jogam tudo para cima para ver o que que dá procedendo com a interpretação - o pouco que é genuinamente humano. Ao passado quem retorna é a tradição, a murmurada tradição, que enche o peito de saudosismo, que enche a cabeça com o que é religioso e divino, e canta aos vitoriosos. Não me agrada os vitoriosos, sempre cheios de pompa, sempre cheios de armas, dependurados nos derrotados, que uns chamam de fracos e outros chamam de mártir. O que realmente retorna é o amanhecer. É a mesma claridade que lhe retoma a luz acesa de um quarto e lhe ensina que na África a mil anos um dia o sol nascera. Quem dera ser Adão! E poder descrever esta cena com uma palavra mais nobre que aurora, que salvação. Assim poderia ter a experiência de em um acaso, em uma noite estendida nos suspiros de Eva observar como o astro máximo se pendura no céu. Muitos mitos, muitas verdades, deram-lhe o nome de deus. Mas não estavam certos? Este grande ponto brilhante é o mínimo de certeza que hoje podemos ter na vida. Você anda por aqui, por ali e esbarra em milhões de mortos, em bilhões de balas, em trilhões de almas, que se tornaram penadas na infinitude do acaso, pela fortuita Fortuna. Se ama verdadeiramente alguém, pense nela na aurora, pois nada é válido se não é feito neste instante. O que o mundo moderno nos deve é a falta de liturgia, a falta de batismo, a falta de deuses mais permanentes que a mercadoria. E bem por isso sempre deve-se ver o eterno nascer com a manhã, e a vida nascer com os galos, e os sonhos nascerem com o cansaço... cansaço de esperar um momento em seu assento desconfortável. Mas o que queres sem sacrifício? Um pouco de sangue ao Sol, e tudo de todas veias ao amor, e a espera dele, sem compromisso mas com vontade... a mesma vontade que fez deus girar a Sol e a humanidade girar a Terra.

sábado, 13 de setembro de 2008

O Cigarro

Toda vida ativa é passiva de erro. E quando o erro é a própria ativação da vida? Quando o erro se passa a coisa comum, ao lugar comum, para pessoas comuns? Tenho medo do que é inconsciente. Você está no meio das multidões e o que lhe resta? A verdade de todos aqueles homens e mulheres que lhe disseram. Conquanto que simular a sociedade é uma das características nossas. Fazemos espetáculos para uma sociedade de espetáculos, e também consumimos em uma sociedade de consumo. Tudo isto concentrado em alguns momentos singulares: talvez shows, talvez feriados. E isto não preocupa a gente, nós, o povo, mas preocupa a nós o amante que não se superou alguns pontos, pois é claro a imensa superioridade daqueles sem singularidade. Sobra ao poeta tentar esquecer com a pena e a bala, sobra ao cancioneiro esquecer com a viola e as lágrimas. Não lhe importa, sua neurose corroe o mundo, desfigura a realidade que neste instante fez sua. Imagine sua solidão frente a amada e suas oportunidades de conteúdo cabalístico, sonha que está sonhando e a saudade se torna surto, insensatez, grito, cigarro, vinho... cigarro. E sua imaginação é machadiana, sua tensão é mórbida e seus vícios são amargos, e ainda mais amargo quando não lhe resta nem ao menos o que beber, o que fumar, o que amar. E então o ateu reza pela crença na humanidade perdida em sua monogamia, e no fim acredita em uma paixão sem defeitos, na perfeitabilidade divina que traçou seus caminhos. As vezes quer se acalmar vendo o mar... e as ondas fazem barulhos... e o vento é um ser noturno... as palmeiras... os coqueiros... as areias; nada disso, apenas vê as montanhas, as mesmas que um dia tinha olhos românticos, mas sempre sentiu que em um amanhecer estas formações iriam lhe trair, trair seus olhos... sua sensibilidade. Ainda sobrou um cigarro, para ser fumado, para ser esquecido. Boa noite.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A Matemática - A Estética - O Cão

Sentada, cabisbaixa e um papel em sua frente. Sua feição é forma estranha, sua fronte é fonte de quem não abandona assim, simplesmente. E se pergunta: Para que estes números? São a salvação ou o número de algum celular? Ou quem sabe os próprios celulares - e seus números - sejam a solução? Por que estou pensando em celulares? O ditador de farda parecida com uma camisa comum, uma listra no peito, um formato anatômico da sala, uns dizeres sem sentidos na paralela conversa do lado, tudo isso me chama ao exercício, de indagar o que de fato não tem realidade, de suprimir meus desejos orgânicos superados pela obrigação dura, tão dura como quem questiona a mecânica matemática, o calcular incessante. Sim, sim, eu estudo o que com razão nos sobra de imparcialidade, distante das ideologias, das sociologias, dos sociólogos, dos botânicos, perfumistas, dos socialistas - rudes e vermelhos -. Mas para que me imparcializar? É como se de alguma maneira meu sexo fosse estéril, a mesma esterilidade da mente que sente ao ver o outro passando fome - que não é também você? - que se enche de piedade na compaixão cristã, e não a produtividade dos caminhantes incertos, dos bêbados faladores que em um segundo são os maiores amantes, são os maiores amigos, na amizade aos incertos que cheira os incensos alcoólicos, que se misturam com o mundo sem a preocupação da temporária existência noturna. O que fazer com estes números, se desejo a sarjeta, a beleza, o belo e o que me traz o belo? Já se perguntou sobre a estética dos números? Alguns são retos, outros arredondados, mas todos abstratos, e a abstração - neste estágio - tem alguma metafísica da maravilhosidade? Não, não. Se me peguntasse, se se perguntasse o que é o mais bonito, responderia os cães domésticos quado fogem de casa: mesmo inconscientes se sujam, se lambuzam, na incerteza das ruas, antagonismo das espessas e seguras grades de sua casa... e correm... e latem... e cruzam... e mudam... investigam o mundo com seus enormes narizes e em algum momento se jogam de baixo de algum carro. A criança chora, o motorista ultrapassa, mas ao fatídico cão de até então pêlo limpo, ele nunca antes se sentira tão livre e o que lhe incomoda é apenas o detalhe dos orgãos que já não mais respondem. E ela, com um papel na frente à preencher de códigos científicos e pensando em cães! Que estúpida improdutividade! Poderia ela estar, neste momento, a libertar da vida os cachorros emburrecidos, os cidadãos dos hospícios, que precisam de amor, mas também precisam de bebida, de beleza, de sexo e socialismo.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A Órbita

É assim o mundo... uma Terra perdida em sua órbita, e escrevendo virtualmente uma mulher com seu teclado emprestado, com uma vida prestável e uma solidez da multiplicidade, da simplicidade de desejos e uma vontade imensa de resgatar um tempo em que subia os morros à procura do Sol, e que bebia sem querer beber e se irritava com o frio que ela mesmo perseguia. A própria existência dela, ela não se perguntou, ela comprou algo em alguma loja, caminhou um pouco, leu alguma coisa e principalmente suspirou um suspiro longo, sem razão, mas durante um momento - um tempo revolucionário - parou de frente a janela, a tela iluminada, e quis cantar. Qual canção? Talvez aquela que relembre, e de alguma forma retorne, volte, retrospecte, traga de volta a solidão compartilhada mesmo do dia que via alguns brincarem com o tinto e o queijo, na maliciosa expressão sexual dos fantasmas que agora lhe atormenta... o atormentar do desejo de ser deus e caminhar em sua onipresença, ou talvez mesmo de ser um anjo e poder voar interminavelmente, ou quem sabe de um demônio e quebrar as leis, que são naturais, que também são divinas na sangria do libertino. Em alguns momentos se sente estranha, vontade de se comparar, de se igualar, ser uma conquistadora de mundos, se sente Alexandre, se sente César, e cavalga até o inimaginável, dentro da plural campina - sem lugar, utópica, incabível - em sua quarta dimensão sem sentido, e grita "Dependência ou Morte!" e domina solitariamente seu momento de estranhez; e logo se vê sem cavalos, sem soldados, sem idéias, e vôa até o Sol, com asas de cera, como o Ícaro das histórias, como o Kamikaze dos contos, e mesmo na consciência da queda se sente livre, sem espadas, sem escudos... se sente caindo no vácuo, se vê compartilhando o espaço com as estrelas, com os planetas e a razão. Se chama de Sputnik, responde ao chamado de Gagarin, e grita aos infinitos cantos do Universo que a Terra é azul, que as paredes são brancas, que seu cabelo é castanho e finalmente sente um amor eterno pelo seu mundo, e por quem os compõe: as árvores, os computadores e o namorado.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O Crepúsculo

Sabe a tristeza da vida? Olhe até a janela... eis o crepúsculo. A noite se desgarra do dia, e a penumbra cobre as ruas ainda sóbrias e nos céus desponta a lua como um fantasma onipresente. Sabe como penso um deus? Como este satélite, instável, furtivo, que em sua impiedade, em sua minguacidade, deixará as terras profanas debaixo de sua maré diluviana. É neste momento que os trabalhadores retornam até suas casas. Se iludem com o lar na quase imperceptível razão que sob o telhado e sob os gritos da mulher e da bebida haverá o encontro com a segurança. Não quero as promessas dos deuses fabris, não quero a intelectualidade dos grandes, quero a tranqüilidade do instante, a sobriedade da loucura, na verdade quero o próprio instante controlável pela minha insanidade, quero ela do meu lado, tão perto que as palavras escritas perderiam o sentido. Quero a madrugada e não este cheiro de morte.

Poema IV

Sobra-nos o Fausto,
Pseudo falso cadafalso.
Esvaece a História,
Em sonetos desconstruídos,
No desconhecido sem paixão.

Sobra-nos a dor do cabresto,
Gargalhada e pranto.

Na vila dos destituídos...
Colocaram prédios.
Obrigado meu deus!

E nessa agimos,
Sem amantes,
Cem amores que repousam,
Que não mais me lembro,
Mas era amor -
Eu acho.

Vivemos com a poeira nos olhos
Na pueril versatilidade,
Em abstrata consonância,
Com ávido desejo
Da eterna lembrança.
Aquela!
Do poeta e sua arma,
Que matou a dor no peito,
Não com facadas,
Mas com a paixão
Do coração com a bala.

Resta-nos a esperança,
De morrer sadios de espírito,
Tristes,
Obesos,
Obstruídos,

E donos de pensão...
A dependência das almas.

Poema III

Decanto e desonro,
Se é flácido,
É fogo que faço.
Fácil como a lua
Por um fio dependurada.
As estrelas?
Claro, ancestrais que repousaram.
Deus afaga a morte,
E arma o forte.
Ainda
A Sorte do Pater,
A Sorte do Rico,
A sorte do Padre.
Talvez falta-me crases.

Não devia depender de minhas palavras,
Não devia depender.
A não ser do que lhe faz homem,
Como a amante sobre a cama,
O vinho sobre o piso,
E sobre você?
Queres um santo,
Um rebanho,
Ou mesmo a amante?
Não vale tanto.
Mulheres te amaram,
E conhecia apenas o vinho.
O vinho lhe embebedou,
Enquanto sozinho se adorava.
Fizeste do amor seu silício,
E no silêncio - chorou.
Sangrou-se por dentro,
Como o suíno e o açougueiro,
Então nu se viu no espelho,
E ao mundo inteiro deu seu amor .
Era o frentista da Prudente de Morais,
O cozinheiro da Arthur Bernardes,
O mendicante e o obreiro.

Era simplesmente o revolucionário...
Descansando da batalha.

Poema II

E no fim o que nos resta?
O último esperma
À vadiagem,
E também a lágrima
Ao mundo observável.
Ainda sinto o gosto,
Frio e viscoso,
Rubro e doloroso...
Seu puro sangue.

Ah, meus lábios!
Quentes como seu corpo.
Cadáver em chamas,
Respirar fulgurante,
e - amada amante - um grito!

"Está vendo esta terra!?
Cobrirá suas entranhas,
Comerá suas lembranças.
Antecipa-a!
Se farte da areia e do humus,
Nutre deste orgasmo profundo,
Chore sobre a carcaça imunda,
E vomite!
Retorne a ela o seu visco,
Seu asco,
Seu 'eu'!"

E naquele instante,
Exato então eterno segundo,
A terra será você,
E você então será o mundo.

Poema I

Sabe o que ela gosta de mim?
Da minha poesia,
Também da safadeza.
Gosta de meu falar incessante,
Das filosofias cotidianas,
E se encanta com cães,
Mesmo sujos e sarjetados,
Mesmo fétidos e desacabados,
Mesmo poetas.

Bem ela que anda falando de deus,
Andando sobre Tártaro,
Sob o Largo de Hades,
Em mim.
Bem ela!
Sobretudo ela.
Será que gosta de pássaros?
Que encanta com suas belezas,
Gostando de vê-los presos,
Amando sua certa certeza cálida?
Calada como sempre.
É minha mais bela maldição,
Vítima,
Contrição santíssima,
Arredia,
Meu punhal sujo de vida.

Sabe o que gosto dela?
Quando ela é.
Pois quando ela é,
Novamente fui,
Novamente sou,
E serei.

Posso ouvir sua voz.

A Madrugada

O vento sopra estranho... parece que o inverno se desgarra, e sobra a nós - o vento. Um restante do instante enquanto o sopro não é saliva, não é beijo, não é sexo. Estranho chamá-los de correntes, mesmo de ar, me soa muito mais asas, e me chama de alguma forma para escrever o próprio chorar, mesmo que eu não mais consiga. Sabe, poucas pessoas conhecem as asas da madrugada. Talvez por isso poderia amaldiçoar toda humanidade perdida em sonhos nestes momentos... e ninguém me ouviria. As pessoas gostam de deitar confortavelmente em suas camas, não é mesmo? Os homens (na masculinidade de seu conceito) adoram se perder na droga lícita, que não é bebida, que não é cigarro, nem mesmo o crack, se perdem nos sonhos madrugais; e acordam assustados pelas manhas nascentes, ou as vezes felizes, ou molhados, dizendo como foi interessante andar nu pelas escolas, cair de despinhadeiros, querer correr e gritar e não conseguir, e tudo isso no metrô a caminho do trabalho. Como não gostar de algo que finalmente é seu? Trabalha o dia inteiro, a mulher cansada e soada e suja e maltratada da fábrica, a empregada baixa e falante e mãe e amante, e vê ali, em sua cama um lar, mesmo que tenha o cheiro da bebida, o choro da criança, a preocupação quase que constante. Ela dorme... e seu sonho não é tão distante como a roda que no dia produz, e também não tão distante do que a casa imprópria limpa e ensaboada. O sonho é dela, e apesar de propriedade tão íntima, particular, individual, ela mesmo assim conta, deixa ao público seus traumas em versão de pinturas surrealistas e compartilha seus medos, mesmo que inconscientes, e suas vontades, mesmo que conscientes. E eu gosto de vinho, de noite, de mulheres distantes, mas não de sonhos. Evito dormir para não poder sonhar, e dormindo sou incapaz - amaria quem? Agradeço poder sentir os ares, os ases, o tinto e o seco, a palavra e a criatividade, a escravidão vestida de intelectualidade. E me intristeço àqueles que sobram a cachaça e o "dormir" de cansaço, o calmante e as preocupações sem salários, pois nada sabem sobre o frio instantâneo de que é recheado a proximidade da alvorada, a fina sensação de um péssimo descansar quando a sociedade lhe acorda à tarde, com o barulho das ruas, das avenidas, dos políticos, pastores, com o barulho da cidade, urbanamente sociável. Antes diziam que o trabalho purifica... pergunte se é isso mesmo ao ladrão e seu emprego de risco, ao ambulante e sua profissão de risco, ao pobre e sua condição de risco. Primeiro devemos nos perguntar se queremos ser puros. Puros como deus? Prefiro a impureza dos homens, a esperança do acordar dos sonhos e o silêncio da madrugada... apenas.