quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Demônio - O Encontro

Um demônio descansa em sua oficina. De cabelos grisalhos, seus fundos olhos azuis não são vistos pela penumbra que coloca em seu fronte duas órbitas cheias de vazio e sombras, sendo seus fortes traços de idade as marcas claras de ser ele ali olhando suas ferramentas de mecânico, e também seu nariz italiano e sua boca pequena. Fitava, com o rosto umedecido de lágrimas, alguns martelos e uma chave inglesa... quanto mais suas velhas mãos tentavam alcançar aquelas coisas do ofício, mais o medo lhe tomava, como um tufão levando casas, formigas e ácaros, tremia pela idade e desconforto, como teimava em tentar levar a cabo a missão de tocar seus antigos e recentes fatos, e se alguém olhasse pela janela não concluiria se tentava acariciar ou amaldiçoar, e das primeiras sílabas não passava seus balbuciados, mas aproximava, tinha que conseguir, ora! ora! "Estou próximo da morte / Vivenciara teu mundo de sorte / Ser o menos comum, observei / Da selvageria de errantes, errei / Tocarei eu meu feito recente / Pela idade o medo é demente", e assim não tocou, correu, sem ordem, pulara em seu carro de quase um século, com seus bancos de quase um século, com seu corpo de quase um século. Saíra voando na rapidez dos automóveis de rodas ainda de aros, preciosidade de colecionadores, de seres do abismo uma carruagem, de motor lerdo e barulhento, atravessando o distrito até a cidade. Encontrou então um casal sentado, O que faria sobre a luz do luar / Dois amantes a se amar / Apesar do infortúnio de meu encontro / Agradá-los será meu ponto, apesar da estranheza daqueles dois acostumados a ser francos com uma realidade ofertada, sorriram pela primeira vez naquele dia sem mãos dadas, lhe ofereceram um trago e uma dose enquanto ouviam versos belos e desalmados, como se a boca fosse um livro da pobreza poética de um idoso fantasiado de ingenuidade... se amaram toda esta noite de fortuna inesperada, mas o que na cama questionaram era porque o prazeroso desconhecedor das formas insistia em descrever sua tristeza se rira de gargalhadas improvisadas. Não é fácil ser um demônio com sangue em suas ferramentas, e cativo de seu gênio ordenado.