quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Fotografia - O Espectro

Ó, amor de meu fulgor e sonho, escrevo algumas palavras com o nexo do desespero oscilante sobre a fotografia apossada. Seus olhos, perceba bem sem o grito e o choro, nos observa e julga sem a estratégia da piedade: é o espectro da consciência. Sem uma frase ou vírgula sequer ao observar seu espírito fugidio lhe entorpece com o desalento e a esperança - é o espectro da consciência. Sim, é um fantasma! Incorpóreo na medida que se materializa não apenas na sua presença aterradora, mas sim no caminhar silencioso seu - ó amante e musa - e então lhe toma em seu mundo interior a imagem sangrada em preto e branco do par de órbitas ingênuos à lhe perguntar: "então, o que quereis?". Como o ser espectral, vindo do mundo dos mortos, e como os romanos definem os mortos - não está mais entre nós - a criança com a caneta na mão, segurando o desfoque da câmera, nunca esteve entre nós, entre você, entre mim e nosso universo, e por isso nasce como vida morta erguendo-se da tumba do desconhecido e alienado, se desprendendo das amarras artísticas e dos formatos estéticos absolutos, solta das mãos sua função eterna de lhe observar em qualquer canto e fingir escrever, para sair do papel, lhe catar pelo colarinho e gritar e urrar: "então, o que quereis?". O que lhe é mais importante, senhorita? A burocracia do cotidiano, do padrão social de amar para casar, do ritual impensado dos cultos, da cultuação diária do medo de ser e de pensar? Sonha com que durante sua noite? Com seus filhos para descarregar a culpa e o péccatu originális de existir em paradigmas construídos bem longe de você? Lhe dou o maior dos presentes: a dúvida retratada na beleza do rosto pobre e inocente. "Então o que quereis?" - é o espectro da consciência.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Poema VII

Cadência é cansaço,
Cadeirante é o sonho,
Limitado,
Sem espaço,
Respeitado e dependente.

Crise é a crase,
A frase anônima escrava,
É o mundo sem aspas,
A oração dos cultos,
A cultura dos sujos,
O voar dos desempregados.

Cadencia o tudo,
E tudo sempre será tudo,
Como o amor sempre será crise,
Como tudo sempre será tudo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Poema VI

Aqui o materialista histórico
é o maior dos religiosos.
Tudo que lhe envolve
Cresce naturalmente
Simplesmente é
Simplesmente está
Lhe conforta a fadiga...
Como o amor.

O vento sopra forte
Como se desejasse um trago.

Aqui se perdeu
Toda a sobriedade do concreto
E toda angústia da História.

Lá embaixo mora tudo que é errante
E errante se mostra
- Pois eu do pico mais alto -
Se perde minha amante no horizonte.

Lá é a morada
De moças de bocas largas
Olhos grandes
De peitos fartos.

Adormece e repousa
O caótico humano
De amor menos puro e certo
Laico e desalmado
E é pra lá...
Que o revolucionário deve voltar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Sentido - A Reflexão

Há duas coisas que deveríamos saber quando nascemos, ou quem sabe deveríamos deixar de esquecer: a passividade do natural frente a natureza de nossas vontades, e o grito revoltoso quando somos arrancados de nossos úteros. A sombra da dúvida enfrenta os homens no momento, julgado por si próprios, indesejado, como a ferida de saber que todo aquele sangue envolvendo-lhe o corpo não é seu, mas é o sacrifício de outrem cercando-lhe com suas próprias tripas rubras. Nossos cabelos crescem de forma desatinada, e também nossos dentes, em um vai-e-volta incontrolável rumo a maturidade. São fragmentos tão singelos e belos ao olhar materno, e nós, ladrões de seus olhos e línguas, desatinamos em um tempo a adorar sem perceber. E tão fraca é nossa sensibilidade, seres arrancados por essência, teimamos a ter em nossa memória, tida a mais esquecer do que lembrar, a transformar toda a distância de nossas mãos ao copo de leite, o copo, a vasilha, a empresa de vasilhas, e a sobriedade de seus líderes, tão naturais como a revolução de nossos corpos e a volúpia de nossas convicções. A senhora olhava com serenidade a rua asfaltada, a multidão encarniçada como urubus em volta de um cadáver observando o céu, afastando de sua contemplação misericordiosa apenas o barulho das sirenes policiais ao longe, assim sendo, amaldiçoava tudo que é novo, contemporâneo à sua visão decrépita, logo então fecha a janela contra os tiros, fecha a roupa contra o frio, fecha as portas contra as visitas, partindo então ao seu ritual diário... o remédio contra as dores e a televisão contra os pensamentos. Tudo tão sinjelo e tão atual. O horror de tudo isso é o ato de se abrir. Abria as pernas aos jovens falidos, abria a tela para a persuasão e as calçolas ao banho de sabonete de promessas cândidas e necessários, não podendo esquecer do shampoo de fazer cabelos brilhantes e falsificadores de suas centenas de anos. O grito ouvido na rua foi apenas a resposta, ainda vívida, de muitos aqueles que se mostraram tão indesejosos de seus desejos, assim pouco silenciosos aos recôndidos fulgores e reflexões medicados por si próprios como patológicos, ao fervor do chumbo sobre sua fragilidade, gritou de horror e medo, e se pudesse, comia cada centímetro de pele de seu executor. Poderíamos, ó ave noturna, colocar em cada homem uma sensibilidade maior do que os tampões herméticos dos morcegos... perceberíam em cada matéria fora de seu "eu" a anormalidade, normalidade de suas infâncias. Sei como é, criaram antes de nós deus, a família, o trabalho e o entretenimento barato, porém não custa nada passar as madrugadas discutindo com corvos afulgentados por suas desgraças.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Poesia - A Loucura - A Humanidade

"Brasília não me interessa, a política não me interessa, pano-de-prato não me interessa, só me interessa o Eugênio... eu amo o Eugênio". E assim vagava a voz solitária pelas ruas claras nas proximidades da praça arborizada. Enquanto andava a voz declamava a cada passo sem caminho uma das diversas faces da paixão: mesmo belo como as frentes dos manicômios, o amor também é catatônico. Sobra-nos os poemas feitos de açucar, lágrima e pouco sangue, e falta-nos a diagnose de seus efeitos patológicos. A ela, voz vosciferante ao patético realismo, nada mesmo lhe interessava, nem a política - arte surrealista para os normais -, nem o pano-de-prato - arte concretista dos lares -, e nem, o mais importante em sua natureza, àquela jovem garota, de vestimentas, cabelos, olhos e cheiros padrões, cruzando a rua, desafiando os carros, para evitar compartilhar o espaço com "aquilo" visto a frente... a imagem da loucura é o horror mais esquizofrênico da insanidade do dia-a-dia. Então do horizonte de nossa visão, ela sumiu, e pouco temos a dizer se foi tudo exatamente real: ela vendendo balas com a graciosidade de lhe agradecer a atenção, e depois andando mais um pouco e retomando as súplicas - para quem? - para nós com certeza. Não veriamos tão cedo, e com uma linguagem tão clara e racional, sem a necessidade de conteúdos e dicionários, um ser humano, antes de tudo, contudo uma poesia ambulante, vendedor de balas e altruísta o bastante de nos doar mais um sentido dos prazeres entorpecentes da paixão.

domingo, 9 de agosto de 2009

A Tortura

Dias muito estranhos. Era uma vez um rebelde, preso e torturado, mas cada gota de sangue que lhe desprendia do corpo, cada carga elétrica que lhe completava as dores do cárcere, e do cárcere cada segundo, era sôfrego porem vitorioso, como o soldado ferido pela bala lembrando de sua causa, da memoria do filho sobre os bons dias e a heroicidade paterna, mesmo sendo crápula na profissão de pai, mas o seu fim como soldado, deitado sobre escombros e com uma bala mortífera encrostado em suas vísceras, supera qualquer julgamento. Foi assim na primeira vez, porem na segunda, já na visão dos guardas e das maquinas, abriu um sorriso, não de felicidade, não de fraqueza, mas pior que tudo isto, de conformação. Deixara de sofrer com o pau-de-arara, os mergulhos no balde, deixara de pensar em sua causa, porque sua gloria e' a marca da dor de outros tempos. Ele precisa voltar aos urros, ao ranger de dentes, pois isso lhe deixa nobre como um rebelde.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

"O libertino é aquele que, obecendo todas as fantasias do desejo e a cada um de seus furores, pode, mas também deve esclarecer o menor de seus movimentos por uma representação lúcida e voluntariamente operada. Há uma ordem na vida libertina: toda representação deve animar-se logo no corpo vivo do desejo, todo desejo deve anunciar-se pura luz de um discurso representativo"
-- FOUCAULT, Michel

sábado, 10 de janeiro de 2009

O Meio-Dia

Grilhões, grilhões, milhares e milhões, grilhões! É assim uma atmosfera cheia, não de vida e sorrisos, mas de estranhezas bizarras, de um silício macabro, de um sentimento de acabado enquanto as coisas de fato continuam. Às vezes o jovem se perguntava, e com toda a certeza do mundo, se perguntar é também existir, por que entao, continuava o interrogatório ao seu demônio, considerados lúcidos se uniam em uma esquizofrenia ganhada - por que Maria? - um bocado chamam de tradição, mas muitos, muitos mesmo cantam o hino de obrigação, é claro, obrigação como herança material, eu digo, não imaterial como tendem os sonhadores e românticos, e todos se intercalam em conceitos muito bem esteriotipados e botam violentamente, com sorriso nas faces, no gozo da carne, os grilhões de ouro, prata, coco, e por aí vai a variância do triste mundo que os de lá de cima dão o nome de criatividade, meu deus, "meu deus" - este ponto final ou talvez esta vírgula que inconscientemente nossos genes sociais fazem de exclamação - onde e como se classificam tais mentalidades e então questiono você, você mesmo Maria de meus pesadelos, qual motivo de agir assim?, através de qual relatividade, de qual razão ou circunstância que não é simplesmente a Maria de meus pesadelos, vestida tão simples e tão bela qual ave de mal agouro, pois se esconde atrás das grades que escondem a propriedade de seus ladrões, dei-me um motivo então deste saciar de Ideologias por mais antiga se faz tal princípio, me responda então as lógicas de tais negras roupas senão a tentativa de se esconder, oras, debaixo das asas dos corvos, na sorte de seus agouros, lembra, ó Maria, quando muito mal recitei alguns versos de Allan Poe, sendo na verdade que lhe disse apenas a historinha de fundo, daquele poema, o The Raven, salpicado das balas mortíferas do Nevermore, do Nunca Mais eterno, da esperança acabada, se lembra? Então na facilidade extrema de um relação simples, o interrogatório continua com o jovem assombrado pelo corvo em seu umbral, não se recorda daquela viagem, mesmo antes de ser a Maria de meus pesadelos, ao meu encontro, e muito mais certo do seu, o seu encontro, longe desta terra de ninho de pássaros sombrios, e tendo toda a certeza do universo, também era seu desejo interno e intenso, mas a sobriedade de uma ave de mal agouro ainda lhe acalentava, e preferiu a proximidade da desesperança do que a incerteza longíqua do superação do seu ego, e então ficou assim, meia perna em um mundo cotidiano e, logo após ser a Maria de meus pesadelos, com uma âncora na vida libertina. Ah! Como então reflete o jovem sobre tais grilhões, espera então a bênção do padre, o milagre do véu e grinalda, para então ser arrastada por este mesmo piar negro até este meio que teme tanto quanto aos bichos infectos, dos dragões rastejantes e os krakens marítimos. Este então é o grande sentido dos grilhões dourados: a libertinagem ganhada aos personagens de pesadelos sem coragem, divididos e de roupas bem engomadas, ao contrário do jovem bêbado, caminhante incerto, sarnento, multi-colorido, comedor de lixo e amigo dos humanos noturnos.