terça-feira, 14 de junho de 2011

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entado defronte sua mesa ele descobriu então a essencialidade do amor por trás das mais vendidas formas que se expressavam à deriva no mar da sociedade. Seu olhar então fitava o urubu de estimação, sua expressão cativa de todo mau agouro, e a partir de então sabia como era fácil amar seres sem linguagem, na possibilidade sempre volupiosa de projetar nestes animais todo seu horror interno e entender cada grunhido como um enunciado complexo-filosófico mais humano que qualquer humano poderia pronunciar. Sua ave negra é como no poema de Allan Poe, no qual entrara por obra da fortuna (ou não) e pousara sobre o portal fazendo barulhos desesperados enquanto o homem de ciência perguntava onde estaria Lenora, e só se ouvia: nunca mais. Conhecia este poeminha quando capturou o pássaro alimentando do cadáver de seu pai, e lhe mantinha em uma gaiola esperando o insight que estava lhe provendo naquele exato momento. Caminhando a cada segundo para mais próximo de seu abismo mental, tentava assim formar uma metáfora política para o amor, e decide então que o amor seria algo entre o Golpe e a Revolução. A Revolução golpearia o sistema, como o golpe revolucionaria a revolução. Desta relação ingênua, percebe então no amor todas as características conservadoras e progressistas, na tentativa do amante de conciliar a inconciliável assimetria entre a coletividade e a particularidade. Então não se satisfez com a metáfora e volta a fitar o urubu sem nome e aproxima um pouco das grades e sua reflexão chega à luz novamente da linguagem, e vai mais adiante percebendo o amor como um exibicionismo sem frases nem palavras, em um engano da História, da crença cega em investir tanta arte e tantas lágrimas na união cheia de rituais ideológicos que tem como objetivo a operação mais narcisista que o nosso maquinário poderia criar, uma procura pelo sexo, por riquezas ou status, na qual todo falazar cristão entraria com seu propósito esquecendo e omitindo do amor a expressão simbólica da tentativa constante de um monólogo masturbatório de dois personagens inseridos em um romance cavalheiresco idiota. Por um momento ele se calou; com um movimento de cabeça fez um sinal de reprovação e pouco depois pode se ver um sorriso bem na beirada de seus lábios, e parece então uma descoberta. Estes momentos são procedidos por um estrondo que fez jorrar sangue por toda a mesa e manchou assim o papel em branco. Que esquecido coitado, tirou sua própria vida e não se lembrou de elaborar a carta de despedida.

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