quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Vida

E então o médico lhe dissera que seu feto desenvolveria anormalmente e mesmo com pouco tempo de gestação era algo realmente preocupante continuar com aquela investida da linha tênue entre a morte e a vida, da tenacidade de lhe ocorrer um sacrifício sobre a jovialidade materna, ainda de muito tempo para outras gestações e da recuperação de erros irrecuperáveis, sobre a vertigem de um mundo inteiro a lhe servir como mulher e mesmo sobre a volúpia e a libido pregressa das gerações. Contudo, como um estrondo, saiu a correr do hospital atravessando as avenidas em um rumo sem sentido, sem lógica, no luto precipitado de si mesma, já que preferia o óbito ao aborto de sangues correntes, e fundamentalmente, de interromper os planejamentos colocados sobre a pedra da fortuna. Como irei fazer isso? O que é isso dentro de mim, este demônio amável e desgarrável na qual chamara simplesmente de sentimentos doces e belicosos, e então sorriu e enfrentou os deuses dos destinos. Durante quase dois anos passara a viver sobre a égide da dor diária, e em alguns momentos lhe tomava alguns insights, pensava em viver a vida sem formas, sem projetos de se matar por filhos, mas sua ideologia sempre lhe afrontava como resposta: vale a pena, sua mártir! E então por quase dois anos passou-se os segundos a serem contados pelas contrações de uma morte não abortada e não nascente, e durante estes quase dois anos, pensara em viver assim, daquela bizarra forma. Mas então, com as dores que lhe chegara à garganta, pensou em libertar sua morte aprisionada, e pensou que o martírio valeria a pena, a pena da prisão pelo amor. Fora então até um açougueiro, que depois de muita relutância ,cortou aquela mulher exatamente no meio, em uma morte desagradável, horrenda, e para muitos, estúpida. Arrancara do meio de suas entranhas uma moça de 21 anos, falando, escrevendo, pensando, sorrindo, esquecendo, esquecendo, não lembrando, esquecendo... esquecendo. Quando saíra daquela prisão fétida, rubra e esquizofrênica amaldiçoou sua mãe por ter lhe prendido sobre suas vértebras... ainda nua, encontrou alguns homens e se vendeu barato, no preço justo, para ela, daqueles que nascem com vinte e poucos anos, que passam quase dois anos dentro de úteros extensos, e filhas de um martírio idiota.

2 comentários:

DR.insane disse...

muito bom!!!
vc ta escrevendo bem demais cara.

Anônimo disse...

vc ta escrevendo bem demais cara [2]
Adorei o texto!